Um dos princípios da educação integral, o antirracismo impacta as diferentes dimensões que abrangem da gestão educacional à gestão da sala de aula, a partir de um posicionamento ético e democrático. As leis 10.639/03 e 11.645/08 alteram a LDB (Lei de Diretrizes e Bases), no intuito de romper com estereótipos e imaginários que inferiorizam as contribuições das populações africanas, afrobrasileiras e indígenas para a sociedade brasileira.
O antirracismo provoca, assim, uma transformação profunda na forma como pensamos o nosso país e nossos pertencimentos étnicos e raciais, desmontando mecanismos que perpetuam desigualdades e construindo uma cultura de respeito e valorização da diferença.
Um desses mecanismos que operaram durante muito tempo na educação é uma cultura do branqueamento do saber, com predomínio de autores brancos e uma hipervalorização de ideias associadas a países europeus. A exclusão do patrimônio cultural das populações de origem africana ou da diáspora africana fere o direito não só das pessoas que têm essa ascendência, como o direito de todas/os aos bens culturais construídos pela humanidade. Portanto, a escola como equipamento público e lugar de acesso ao conhecimento e de aprendizagem da convivência social precisa estar muito preparada para enfrentar o racismo.
“A educação só pode ser integral. E educação integral tem que ser antirracista. Como Roda Educativa, a gente vem aprendendo muito sobre como fazer isso na prática, temos estudado muito, dialogado para conseguir fortalecer internamente e nos projetos esta perspectiva de uma educação que reconhece as relações étnico-raciais”, afirma a diretora-presidente da Roda Educativa, Tereza Perez.
“Temos bons exemplos disso. O Jaê, em Santa Bárbara d’Oeste, é o maior caso de implementação de uma política antirracista do qual nós participamos e foi uma escola para nós. Também tivemos o projeto Nós – Iniciativa pela Educação Integral em Territórios Amazônicos, em que trabalhamos com as populações quilombolas. Essas experiências alimentam nossas discussões, nos permitem sistematizar conhecimentos em publicações e, mesmo fora do escopo desses projetos, temos fortalecido esse eixo, seja com a discussão dos dados educacionais, seja do ponto de vista curricular, dos acervos, como é obrigatório pela lei 10.639, mas também em total alinhamento com a nossa concepção de que o antirracismo é uma perspectiva fundante para pensar a educação.”
Tereza destaca também a articulação da Roda e outras instituições que resultou no documento “Diretrizes para uma Educação Integral Antirracista – Uma contribuição da Sociedade Civil”, destacado abaixo.
Confira abaixo as Diretrizes e outros conteúdos recentes:
Diretrizes de Educação Integral Antirracista para o Ensino Fundamental: Uma contribuição da sociedade civil
A publicação, que está disponível para download gratuito aqui no site, se apresenta como uma proposta inovadora ao apontar, de forma intencional, as conexões entre Educação Integral e Educação para as Relações Étnico-Raciais, duas pautas que ainda se apresentam isoladamente. Seu objetivo é oferecer subsídios para a gestão educacional (ministério, secretarias e diretorias de Educação) sobre como pensar o desenvolvimento integral de forma contextualizada e respeitosa com as diversidades e as diferenças que compõem o cenário brasileiro, apontando especificamente competências relacionadas às seguintes esferas: gestão das políticas públicas educacionais, gestão das escolas, gestão pedagógica, gestão das aprendizagens em sala de aula e comunidade escolar.
O documento foi construído coletivamente por 26 organizações da sociedade civil, grupos de pesquisa, escolas públicas e educadoras/es, sob coordenação da Cidade Escola Aprendiz, Ação Educativa e Roda Educativa, com apoio da Porticus.
“As Diretrizes oferecem novas bases para pensar a formação dos estudantes, para que eles possam pensar sobre as nossas potencialidades e necessidades e responder a estas questões com Ciência, tecnologia, respeito e sustentabilidade. Com isso, mudamos o que entendemos por uma Educação de qualidade”, explica a formadora e coordenadora pedagógica na Roda Alessandra Tavares, no conteúdo publicado pelo site do Centro de Referências em Educação Integral.
Revistas Jaê
As publicações (Revista Jaê, de 2023, e Revista Jaê – segunda edição, de 2024) apresentam as etapas para a construção de uma política pública para relações raciais positivas em Santa Bárbara d’Oeste/SP.
A primeira edição relata as oito etapas iniciais, sob a liderança da Secretária Tânia Mara da Silva (com uma entrevista exclusiva dela) e sua equipe, e com o apoio dos parceiros do Projeto Jaê – Educação para Equidade. A publicação narra esse processo, que começou num diagnóstico amplo da rede e passou por diversas ações de formação profissional e mobilização social, para chegar aonde o racismo manifesta uma de suas piores faces: a privação das/os estudantes negras/os ao direito a aprender.
A segunda, apresenta as cinco etapas finais dessa jornada, em que o trabalho vai para dentro da sala de aula, com o acompanhamento das aprendizagens de estudantes do 4º ano e a elaboração de sequências didáticas. Traz ainda uma entrevista exclusiva com a coordenadora do Núcleo Jaê, Juliana Ramos. O núcleo foi criado dentro da Secretaria de Educação em 2023 para consolidar as ações, iniciadas no âmbito do projeto, por uma educação antirracista e vem ampliando as formações a outras/os profissionais da rede.
Projeto Pequenos Leitores investe na formação literária antirracista em escolas públicas de municípios do interior paulista
A iniciativa conjunta da FTD Educação e da Roda Educativa está transformando a experiência literária nas escolas públicas dos municípios paulistas de Potim e Redenção da Serra. Selecionados para participar da sexta edição do Projeto Pequenos Leitores, esses municípios estão recebendo um acervo ampliado de livros com literatura antirracista e maior representatividade étnico-racial.
A ação, que visa garantir que crianças de 3 a 5 anos tenham acesso a uma literatura que reflita a diversidade cultural e racial do Brasil, ganhou destaque na mídia local e nacional.
As matérias refletiram a importância da literatura oferecida nas escolas não só reforçar a importância da diversidade, mas também contribuir para a formação de leitoras e leitores críticos desde a primeira infância. Com a doação de 1.155 livros ao longo desta edição (2023/2024) para os dois municípios, o projeto já atingiu uma importante meta: 73% das obras adquiridas têm presenças negras e indígenas.
Sequência didática: Descobertas científicas de autoria negra – 4º ano
A maioria dos nomes de cientistas que ouvimos ao longo da nossa vida são de pessoas brancas – e em geral homens, mas mesmo com a elitização da produção do saber científico, a história da ciência é feita também por mulheres negras e homens negros. E é fundamental que nossos estudantes as/os conheçam.
Esses nomes muitas vezes invisibilizados e suas descobertas científicas são o objeto da sequência didática “Descobertas científicas de autoria negra”, produzida pelo Projeto Jaê – Educação para Equidade, para turmas de 4º ano. Com um recorte que permite ampliar o repertório e o imaginário científico das crianças, a sequência também tem como objetivo proporcionar situações de aprendizagem da leitura de textos expositivos e jornalísticos, considerando as competências e habilidades previstas nos documentos curriculares nacionais e municipais para esta etapa da escolaridade.
Indicações literárias para conversas antirracistas com as crianças
Ampliar imaginários que favoreçam o estabelecimento de relações étnico-raciais positivas é um dos caminhos para uma educação verdadeiramente antirracista. E para contribuir com o repertório das/os profissionais de educação que nos acompanham, a coordenadora do Projeto Jaê – Educação para Equidade na Roda Educativa, Cristiane Tavares, preparou uma lista com 51 livros para o blog da Roda.
A seleção de obras voltadas para as/os estudantes das séries iniciais do Ensino Fundamental considera critérios de bibliodiversidade – variedade de editoras, autoras/es, ilustradoras/es, temas, gêneros literários e linguagens visuais – e ênfase na perspectiva antirracista, dando prioridade para publicações com personagens negras/os como protagonistas em narrativas que não tematizem, necessariamente, relações étnico-raciais; personalidades negras de relevância histórica, em diferentes contextos sociais; mitopoéticas negras, vindas de diferentes culturas afrodiaspóricas; e enredos construídos em perspectiva interseccional (problematizando questões de raça, classe e gênero).
Foto: Mural do Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) Angélica, em Santa Bárbara d’Oeste / Divulgação Jaê