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Foto de Lino de Macedo, um homem de pele clara e cabelos brancos de perfil, gesticulando.
23/10/2024

Proibir ou regular? Um debate sobre o uso dos celulares nas escolas

Foto de Lino de Macedo, um homem de pele clara e cabelos brancos de perfil, gesticulando.

A discussão sobre o uso de celulares nas escolas é um tema que desperta muitas reflexões, especialmente, diante das rápidas transformações tecnológicas e sociais que vivemos. Embora a proibição esteja em pauta como possível resposta aos riscos provocados pelo uso excessivo dos aparelhos, ela pode não ser a melhor abordagem, considerando a realidade de uma sociedade digitalizada. Neste contexto, o diálogo sobre a regulação do uso desses dispositivos torna-se essencial para conciliar o desenvolvimento pedagógico e o uso responsável da tecnologia.

Entrevistamos o professor Lino de Macedo, um dos maiores estudiosos brasileiros no campo da Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem, professor emérito do Instituto de Psicologia da USP e conselheiro da Roda Educativa. Ele nos traz uma visão ampla sobre as diferenças entre proibir e regular o uso de celulares nas escolas, levando em conta aspectos pedagógicos, sociais e evolutivos. Confira!

Roda: Professor, por que é importante discutir a restrição ao uso do celular na escola?

Lino: A questão do celular nas escolas está diretamente ligada ao mundo em que vivemos. Não se trata apenas de uma ferramenta, mas de um símbolo das transformações tecnológicas e comportamentais que todos estamos experimentando, especialmente, os jovens.

O celular pode tanto ajudar como atrapalhar, dependendo do contexto e do modo como ele é utilizado. É um debate necessário para que a escola se adapte às novas realidades e cumpra seu papel de educar para o mundo atual, sem perder o foco no desenvolvimento cognitivo e emocional dos alunos.

Roda: Como se deve dar essa restrição/contenção? Alguns falam em proibir, outros em regular. Qual é a sua visão sobre essas abordagens?

Lino: Eu sou contra a proibição total, pois ela não promove aprendizado sobre o uso responsável. O caminho, a meu ver, é a regulação que precisa ser integrada à proposta pedagógica da escola. Proibir pode até resolver a questão de forma imediata, mas não ensina a criança a lidar com o mundo digital de maneira crítica e consciente. Regular é educar para o uso consciente, algo que será levado para a vida adulta. É fundamental que essa regulação esteja embasada em um projeto que valorize a autonomia progressiva dos estudantes.

Roda: Quais riscos e quais benefícios o senhor vê no uso do celular na escola?

Lino: Os riscos são claros: distração, uso inadequado em redes sociais e a dependência excessiva da tecnologia, que pode prejudicar o foco no conteúdo pedagógico. Mas, se bem orientado, o celular pode ser um grande aliado. Pode ampliar o acesso à informação, estimular a pesquisa e a curiosidade dos alunos, e até facilitar a comunicação entre professores e estudantes em atividades colaborativas. A chave está na orientação e na construção de um ambiente em que o celular seja um recurso pedagógico e não um obstáculo.

Roda: Essa regulação pode ser feita de forma igual para todos ou há diferenças conforme a idade e série?

Lino: Deve ser adaptada à faixa etária e ao nível de desenvolvimento dos alunos. Crianças mais novas precisam de limites mais claros e diretos, já que ainda estão desenvolvendo o autocontrole. À medida que crescem, os adolescentes podem ser introduzidos a uma maior autonomia, mas sempre com acompanhamento. O que funciona no Ensino Fundamental pode não ser aplicável no Ensino Médio, por exemplo. Essa gradação é necessária para que o processo de autorregulação seja bem desenvolvido.

Roda: Como a criança desenvolve seu senso de autorregulação? Como isso evolui na/o adolescente e na/o jovem adulta/o?

Lino: A autorregulação é uma habilidade que se constrói ao longo do desenvolvimento. Começa na infância, com a imposição de regras externas – primeiro dos pais, depois da escola -, e vai evoluindo para uma autorregulação interna, que é a capacidade de tomar decisões mais conscientes e ponderadas. No adolescente, essa capacidade ainda está em formação, mas é um período importante para trabalhar isso, já que é quando eles começam a assumir mais responsabilidades. No jovem adulto, espera-se que essa autorregulação já esteja mais consolidada, mas isso depende muito do ambiente em que eles foram educados.

Roda: Mesmo nós, pessoas adultas, muitas vezes, temos dificuldade em estabelecer limites no uso de tecnologia. Como essa reflexão sobre o comportamento adulto pode impactar o exemplo dado às crianças e adolescentes?

Lino: Os adultos são espelhos para os mais jovens. Se nós, como adultos, temos dificuldade em nos autorregular, como podemos esperar que as crianças o façam? É preciso que os professores e pais reflitam sobre seus próprios hábitos tecnológicos.

Se queremos ensinar as crianças a usar o celular com responsabilidade, precisamos demonstrar isso na prática, sendo modelos de comportamento. O exemplo é uma das formas mais poderosas de aprendizado.

Roda: Quais cuidados ou estratégias o senhor recomendaria para escolas que desejam iniciar um processo de restrição ou regulação do uso de celulares?

Lino: O primeiro passo é envolver todos os atores da comunidade escolar – alunos, pais e professores – no diálogo. É importante que essa regulação seja entendida como parte de um projeto educativo maior, e não uma imposição unilateral. Outra estratégia eficiente é criar momentos e espaços apropriados para o uso do celular, como para pesquisa e projetos em sala de aula, enquanto em outros momentos ele deve ser guardado. Isso ajuda a criar uma cultura de uso consciente.

Roda: Quais seriam as possíveis consequências de uma proibição total do uso de celulares nas escolas? Isso poderia prejudicar o processo de aprendizagem?

Lino: A proibição total, além de ser difícil de implementar, pode acabar por gerar um uso clandestino, o que é ainda mais difícil de controlar. Isso cria uma desconexão entre a realidade tecnológica dos alunos e o ambiente escolar. Além disso, uma abordagem proibitiva impede que os alunos aprendam a usar o celular como ferramenta educacional. Ou seja, em vez de educar para o uso, simplesmente eliminamos a oportunidade de ensinar o uso responsável.

Roda: O uso de tecnologia em sala de aula, quando bem orientado, pode trazer benefícios pedagógicos? De que forma isso pode ser feito de maneira eficiente e segura?

Lino: Sim, há muitas possibilidades pedagógicas quando se usa a tecnologia de forma adequada. Pode-se incentivar a pesquisa, a colaboração em projetos e até o desenvolvimento de habilidades críticas, como a checagem de informações. Para que seja eficiente e seguro, é necessário capacitar os professores no uso dessas ferramentas e criar regras claras de uso, para que o celular seja um recurso complementar ao aprendizado, e não uma distração.

Roda: A regulação do uso de celulares nas escolas pode contribuir para a formação de uma cidadania digital mais consciente? Como a escola pode colaborar nesse processo?

Lino: Certamente. A cidadania digital envolve entender como a tecnologia pode ser usada de forma ética, segura e produtiva. A escola tem um papel central nesse processo, ensinando desde cedo sobre os direitos e responsabilidades que vêm com o uso da tecnologia. Regulando o uso de celulares de forma adequada, a escola pode ajudar os alunos a se tornarem cidadãos digitais mais conscientes, que sabem como utilizar a tecnologia para o bem comum.

Roda: De que forma o uso do celular pode influenciar as interações sociais e o desenvolvimento emocional das crianças e adolescentes no ambiente escolar?

Lino: O uso excessivo do celular pode prejudicar as interações sociais presenciais, levando a um isolamento que não contribui para o desenvolvimento emocional dos jovens. No entanto, o celular também pode facilitar conexões, quando usado de maneira positiva, como em atividades colaborativas. O importante é garantir que o uso não substitua as interações presenciais, mas que seja uma extensão delas, quando apropriado.

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