contraste contraste
instagram facebook linkedin youtube email
contato como apoiar
Foto de Patrícia Diaz, uma mulher de pele branca e cabelos lisos escuros, atrás de um púlpito com um microfone.
05/09/2024

Alfabetização não é responsabilidade única de professoras/es

Foto de Patrícia Diaz, uma mulher de pele branca e cabelos lisos escuros, atrás de um púlpito com um microfone.

A alfabetização é mais do que um marco importante na educação, é a base que abre portas para o conhecimento e a participação ativa na sociedade. Fundamental para o desenvolvimento pessoal e social, ela possibilita o acesso à informação, às culturas, ao mercado de trabalho e ao exercício da cidadania. Mais do que uma habilidade técnica, é um direito básico de todas as pessoas. Talvez a maior prova de que não estamos dando a devida atenção a esse processo e ao que ele demanda esteja no fato de que não conseguimos alcançar, no Brasil, a meta de que todas as nossas crianças estejam alfabetizadas no início da escolarização do Ensino Fundamental.

A diretora executiva da Roda Educativa Patrícia Diaz explora o que está por trás desse debate na aula “Possibilidades para a Alfabetização nas Redes Públicas de Ensino”, on-line e gratuita, que realizou recentemente no minicurso da III Escola de Inverno 2024, da Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP). Seu foco foram os desafios que são inerentes a essa temática e oportunidades atuais de avanço para o futuro.

“Não dá para pensar método, material, formação de professores e avaliação sem saber qual é o referencial que vamos usar para a nossa meta. Onde vamos chegar nesses primeiros anos do Ensino Fundamental? A alfabetização é um tema controverso e de muitas disputas, com visões que partem de lugares diferentes, muitas vezes, antagônicos. Mas quando a gente desfoca dessas polêmicas e olha para as pessoas que queremos formar e do que se trata essa alfabetização, essa pessoa que se quer alfabetizada atuando na sociedade, a gente consegue alguns consensos e alguns pontos mais firmes para essa discussão”, afirma.

Para Patrícia, a alfabetização não é uma responsabilidade única das/os professoras/es alfabetizadoras/es. Ela destaca que é necessário haver o compromisso das/os demais educadoras/es e toda uma rede de articulações para que sejam asseguradas as condições para que todas as pessoas se alfabetizem. Partindo dessa premissa, a especialista se baseia em quatro pontos principais:

  • Quem é a pessoa alfabetizada que queremos para o nosso país?
  • Há projetos estruturados de alfabetização nas redes públicas de ensino? Como eles estão alinhados com as avaliações que são realizadas?
  • Como está acontecendo o atual Compromisso Nacional Criança Alfabetizada?
  • Quais são as possibilidades para pensar o trabalho da gestão educacional na perspectiva da alfabetização nas redes públicas de ensino?

Acompanhe abaixo alguns registros da aula:

Conceito de alfabetização

Patrícia explica que, no decorrer da história, marcos importantes foram definindo ou dando pistas para essa conceituação do que é a alfabetização. “Nós não temos uma definição muito concretizada, no nosso país, até hoje, do que é estar alfabetizado. Foram várias tentativas e a gente tem uma recente, mas ainda é difícil encontrar um documento ou uma sequência de documentos onde essa definição está explicitada e normatizada. Não ter isso na nossa história é uma das brechas para essa disputa entre os métodos ou divergências de concepções ou propostas, o que acaba prejudicando e desfocando do nosso objetivo maior: que é olhar a formação das crianças e o direito que todas elas têm a acessar a cultura e a escrita e todo o protagonismo que elas podem ter no uso dessas práticas.”

Em sua apresentação, ela traz alguns desses marcos e comenta os aspectos mais importantes de cada um: a definição de pessoa alfabetizada no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – de 1976 a 1999; os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) – 1997; Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) – 2001; Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) – 2012; Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – 2017; Programa Mais Alfabetização – MEC 2018; Política Nacional de Alfabetização (PNA) – 2019; e o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada – 2023.

Confira os destaques feitos por ela nesses documentos e como, em alguns momentos, eles diferem entre si e, em outros, se complementam e acrescentam pontos importantes, na apresentação disponibilizada por ela. Já para conferir seus comentários sobre cada um deles, assista ao vídeo, de 00:17:30 a 00:42:59.

Patrícia dedica especial atenção ao Compromisso Nacional Criança Alfabetizada – 2023, que é o mais recente documento que temos dentro da temática.

Compromisso Nacional Criança Alfabetizada – 2023

 

Pesquisa Alfabetiza Brasil Conjunto de habilidades para o perfil de aprendizagem da leitura e da escrita esperado ao fim do segundo ano do Ensino Fundamental corresponde a 743 pontos na escala Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). As crianças que alcançam esse patamar são capazes de realizar leitura e processos básicos de interpretação de texto, com base na articulação entre texto verbal e não verbal, como em tirinhas e histórias em quadrinhos. Além disso, são capazes de escrever (ainda com desvios ortográficos) textos que remetem a situações da vida cotidiana como um convite ou um lembrete.

“Esse conceito que o novo documento traz vai repercutir em toda a cadeia que parte daí. O material que é produzido para essa etapa da alfabetização precisa considerar essa definição e a formação dos professores e a avaliação também. Mas claro que esse marco também tem alertas. Não significa que o primeiro e o segundo ano de escolaridade das crianças vão se resumir ao sistema de escrita alfabético. E se a gente for olhar para estratégias, conteúdos e detalhar isso melhor, precisa ter muito mais, incluindo a construção de que as crianças, desde a Educação Infantil e até antes, precisam estar imersas em práticas de leitura e de oralidade em vários tipos de gêneros, acreditando na capacidade delas de que conseguem interagir desde muito pequeninas com essa práticas”, acrescenta Patrícia.

Quer saber mais sobre o tema? Conheça o curso “Alfabetização: superando mitos”. Totalmente gratuito, ele é voltado para profissionais das áreas da educação e da psicopedagogia, dentre outras, e interessadas/os em geral, como familiares de crianças em fase de alfabetização.

O que precisamos considerar no projeto de alfabetização de uma rede?

“Se a gente quer que as crianças cheguem a esse patamar de alfabetização posto, é preciso pensar como a gente organiza os projetos das redes públicas de ensino e como a avaliação vai conversar com esses marcos. E uma coisa mais central e que é importante de entender é que um projeto como esse inclui uma decisão política. E aqui a gente tem muitas polêmicas e muitas visões polarizadas no país. Mas se, realmente, tudo isso for levado a sério, a gente tem que buscar a coerência e a coragem para as crianças de fato terem acesso a essa proficiência e essa autonomia de leitura e escrita”, destaca Patrícia.

Ela explica que precisamos considerar 4 pontos para esse projeto de alfabetização da rede: concepções; tempos, espaços e acervo de livros e demais materiais; acompanhamento das aprendizagens e avaliação; e formação continuada.

Concepções

A primeira concepção que precisa ser considerada é a conceituação do que é estar alfabetizada/o, mas há outras que também são centrais para orientar o processo de alfabetização.

  • Criança
    Que criança é essa? Ela é uma criança potente e ativa que pensa e que já tem muitos conhecimentos que traz na sua (curta) história de vida?
  • Professora/or
    Que concepção eu tenho dessa/e profissional? Uma/um docente protagonista ou que atua só como meio de uma prática/concepção pensada por outra pessoa?
  • Gestoras/es e Escola
    Quem é essa pessoa, qual o seu papel? Qual a função dessa escola? Como ela está estruturada?

Tempos, espaços e acervo de livros e demais materiais

Para pensar nessas questões da ordem da organização e dos recursos materiais, é preciso ter uma visão para esse percurso de 400 dias letivos, que se somam entre o primeiro e o segundo ano escolar dessas crianças do Ensino Fundamental, e o que eles podem oferecer de situações e oportunidades para a alfabetização, além de outras tantas questões que estão colocadas como expectativas curriculares para elas nesse momento. Para isso, ela sugere uma reflexão sobre:

As atividades que são realizadas nas escolas

Se queremos que as crianças sejam capazes de realizar leitura e interpretação de textos; escrever textos que remetem a situações da vida cotidiana como um convite ou um lembrete, precisamos pensar:

  • Que situações devemos desenvolver na rotina?
  • Que materiais de leitura devemos ofertar?
  • Que intervenções as/os professoras/es precisam realizar?
  • Que agrupamentos precisam ser organizados?
  • Qual a rotina de atividades dessas crianças?

Em relação à organização dos espaços e materiais, uma estratégia muito efetiva pode ser a Biblioteca de classe (saiba mais sobre essa prática no vídeo “Biblioteca de classe como estratégia na formação leitora, da nossa antiga série “Diálogos com a comunidade”).

Biblioteca de classe:

  • O que espero que minha turma aprenda com a leitura compartilhada desse livro? (intencionalidade);
  • Esse livro pode oferecer uma experiência distinta de leitura literária? (ensinar a ler por meio de distintas experiências literárias);
  • Quais elementos literários esse livro oferece à/ao leitora/or? (conteúdo e forma desafiam ela/ele);
  • Quais experiências estéticas, de leitura e de vida minha turma já possui e precisam ser ampliadas? (o que pode ajudar a definir o perfil de uma/um leitora/or é a competência leitora).

Acompanhamento das aprendizagens e a avaliação

É essencial também estabelecer um processo de monitoramento das aprendizagens de cada estudante a fim de ajustar as propostas para favorecer seu avanço. Patrícia coloca as seguintes questões para nortear esse acompanhamento:

  • Para que avaliar?
  • Em que momentos?
  • Quem envolver?
  • O que fazer com o que se observa, se avalia?

No diagrama abaixo, produzido pela equipe da Roda Educativa, é possível visualizar essa ideia de um processo avaliativo que precisa ser formativo e contínuo, retroalimentando o planejamento e a intervenção das/os professoras/es e tendo nas pontas do processo a avaliação diagnóstica e a avaliação cumulativa ou somativa.

Diagrama com o processo avaliativo formativo e contínuo para o acompanhamento das aprendizagens. Há duas elipses com os textos “Avaliação diagnóstica ou prognóstica” e “Avaliação cumulativa” e, ao centro, na elipse formada pela ligação das duas os dizeres: “Avaliação formativa”.

Ao comentar esse tópico, Patrícia destaca que a avaliação pode ser uma aliada da política pública. Confira os pontos que ela identifica como essenciais para que isso se efetive:

  • A avaliação das aprendizagens é processual e contínua;
  • É essencial que se destaquem os conhecimentos adquiridos, considerando os pontos de partida de cada estudante, e não apenas os que faltam, pois é isso que vai dar as pistas necessárias à continuidade do ensino;
  • O conteúdo a ser avaliado precisa ser coerente com o processo de alfabetização dentro de seus contextos e com as oportunidades oferecidas para que todos os estudantes avancem;
  • As redes de ensino, bem como as escolas, precisam reorganizar seus planos e suas políticas educacionais, em especial a de formação a partir das avaliações internas e externas, investindo esforços em analisarem também o equilíbrio necessário entre o tempo e os recursos dedicados para a avaliação e as condições oferecidas para o ensino e para a aprendizagem (evitando a sobreposição de avaliações nacionais, estaduais e, às vezes, dos próprios municípios em detrimento de investimentos endereçados à formação continuada, planejamento, etc.).

Formação continuada

“Esse último tópico é central para retroalimentar todos os outros e a gente tem ainda questões de alta rotatividade nas/os professoras/res alfabetizadoras/es. Se estabelece uma política e daqui a pouco esse grupo de profissionais é trocado. Então, temos que estar articuladas/os para que essas pessoas novas que chegam tenham também a oportunidade de dar continuidade ao projeto. Por isso, a formação continuada é muito relevante para que todos os outros pontos funcionem”, destaca Patrícia.

Confira o que precisa ser assegurado nesse processo:

  • Formação sistêmica: professoras/es, coordenadoras/es pedagógicas/os e diretoras/es como autores de sua prática;
  • Garantia dos tempos e condições necessárias para planejamento, registros, reflexões, estudos e trocas entre as/os professoras/es, e ações formativas que favoreçam a construção de conhecimento sobre as situações didáticas.

“A gente tem estabelecido por lei que 1/3 da carga do professor precisa ser dedicado a horários de trabalho individuais e coletivos e ainda encontramos fragilidades no uso desse tempo Então é preciso tanto olhar para a formação continuada para entendê-la não só como a recuperação necessária das fragilidades dos professores em relação à sua formação inicial ou até mesmo a sua própria formação de conhecimentos básicos de leitura de escrita de matemática e de outras áreas, mas também uma formação sistêmica que possa envolver todas as pessoas e que traga esse olhar reflexivo. O que eu estou fazendo está coerente com o resultado que eu quero? Está coerente com a avaliação que eu faço? Como costurar a rotina do dia a dia com todas essas necessidades para focar na didática da alfabetização e conseguir, a cada dia, ser mais proveitoso aquilo que ofereço para as crianças na escola? Isso tudo para garantir os tempos e espaços, as condições, os planejamentos e as ações formativas que precisam acontecer para suportar todo esse processo complexo que é a alfabetização”, finaliza ela.

Quer acompanhar a aula “Possibilidades para a Alfabetização nas Redes Públicas de Ensino”, da nossa diretora executiva completa? Assista ao vídeo no canal do YouTube da Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica!

conteúdos relacionados

Este site usa cookies para melhorar sua experiência.