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03/05/2019

Como a proibição de livros fere o direito de acesso à literatura

A ilustração de capa é de autoria de Adolfo Serra

Na semana em que comemoramos o Dia da Literatura Nacional (1º de maio), é motivo de preocupação que, em vez de celebrarmos a riqueza da produção literária brasileira, estejamos, todos nós que trabalhamos com a literatura, tentando protegê-la de ataques, censuras e proibições das mais variadas ordens.

Não é pequena a lista de livros que têm sido banidos de escolas, eventos e festas literárias. Recentemente, uma feira de livros realizada pelo centro acadêmico de estudantes de direito da Universidade Mackenzie vetou a presença das editoras Boitempo e Contracorrente, sob a alegação de que elas não trabalham com livros que tratam das doutrinas e das legislações de uso acadêmico. Em nota de repúdio, as editoras afirmam que possuem “consistente catálogo na área do Direito, composto, aliás, por obras de professores da Faculdade de Direito do Mackenzie”.

A proibição não tem sido expediente apenas das instituições privadas. Vale lembrar a decisão do MEC, dois anos atrás, de recolher das escolas o livro “Enquanto o sono não vem” e os questionamentos em escolas públicas em relação ao recebimento de obras consideradas “polêmicas” ou que não estão a serviço de uma moral.

O terreno que parece mais exposto a esse tipo de interferência é o da Literatura Infantil, já que proibições são facilmente revestidas de proteção à infância, quando muitas vezes o que fazem na realidade é privar as crianças do direito à literatura.

A Boitempo, editora vetada na feira do Mackenzie, tem um selo de literatura infantil, o Boitatá, pelo qual publicou uma série de livros em que discute o que é democracia, o que é ditadura, o que são classes sociais, o que está por trás da definição dos gêneros, entre outros.

Livros do selo Boitatá, da Editora Boitempo.

No contexto atual de negação da diversidade e de criminalização de obras, essa lista de livros nos chama a atenção por provocar reflexões que podem ser vistas como proibidas. É para esses títulos, em nome do direito à expressão e ao acesso à literatura, que temos que olhar agora. São livros como “Se os Tubarões fossem homens” (Bertolt Brecht, com ilustrações de Nelson Cruz), por exemplo.

Quando vimos a proibição de qualquer livro em nome da proteção da criança, temos que voltar a uma questão primordial: a literatura infantil deveria abrir mão das ambivalências e contradições que existem na vida e na literatura acerca da condição humana?

Afinal, quem conversa com as crianças sobre tabus? É certo dizer que, ao deixá-las sozinhas para lidarem com esses assuntos, estamos protegendo-as? De que maneira agir como se essas questões não existissem podem ajudá-las a vivenciarem esse tipo de situação?

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Essa censura que volta sorrateiramente traz em seu bojo uma concepção de criança reduzida a um ser desprovido de vivências, percepções e reflexões próprias. Ao retirar determinados livros da escola, poupa-se as crianças e os professores do contato com um tema que pode nos parecer incômodo, mas perde-se a chance de abrir espaço para debates relevantes, em um momento em que a construção do diálogo se faz tão necessária.

Cristiane Tavares, especialista em literatura e integrante da coordenação pedagógica da CE CEDAC, afirma que, no contexto educacional, é preciso cada vez mais ler com os alunos e englobar nesses momentos as famílias e toda a comunidade. “É preciso acreditar que esses leitores têm coisas a dizer sobre o livro. Se um livro for proibido, é preciso fazer com que ele chegue ao público. Criar clubes de leitura dos estudantes, leitura na reunião de pais, momentos coletivos de leitura com a comunidade. Não deixar a leitura somente restrita às salas de espera e às bibliotecas, e sim conversar muito sobre o que lemos.”

Se entendemos que a escola é um local de reflexão social e de construção de conhecimento, e não de “verdades únicas e prontas”, temos de criar espaço dentro dela para as variadas formas de interpretar o mundo e confiar que na coletividade essas formas podem se encontrar e se enriquecer.

Cristiane nos faz pensar sobre a instrumentalização da literatura. “Aqueles que dizem que a literatura não serve para nada devem entender que, se ela não serve para fins práticos e facilmente perceptíveis, ela deve servir para provocar e fazer pensar. A literatura não é um instrumento submisso, não está a serviço de algo: ela é maior do que isso, estimula o pensamento e nos desloca de nosso próprio lugar”, afirma Cristiane.

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