Nosso blog teve o prazer de entrevistar a pesquisadora Jaqueline Lima Santos – doutora em Antropologia Social e consultora nas áreas de equidade, raça, gênero, diversidade, educação, infância e juventude, história e cultura afro-brasileira e africana – sobre as inter-relações entre desigualdade social, racismo e aprendizagem escolar.
A Roda Educativa convidou recentemente a especialista para realizar um encontro com a equipe do Projeto Jaê – Educação para a Equidade para orientar a análise de dados de aprendizagem levantados na rede de Santa Bárbara D’Oeste, que busca o fortalecimento de uma política pública educacional antirracista.
Jaqueline tem grande experiência em análise e produção de dados quantitativos e qualitativos e na conversa com o Blog da Roda comenta as relações entre o perfil socioeconômico dos alunos e os dados de aprendizagem.
Confira trechos do nosso bate-papo!
Roda: Jaqueline, o que não falta no Brasil são dados, não?
Jaqueline: Sim, mesmo tendo um território de tamanho continental, somos um exemplo nesta área: temos muitos indicadores. Mas temos que tomar cuidado com as médias. Estamos acostumados a falar sempre em média: média brasileira, média da cidade, média da escola… Só que as médias não levam em conta a desigualdade e as especificidades de cada aluno. Precisamos desagregar os dados e olhar além para enxergar os problemas e aí buscar soluções.
Roda: Quais são as grandes disparidades educacionais que você observa no país?
Jaqueline: Os índices educacionais ainda são melhores nos centros urbanos do que nas regiões rurais, entre a população branca do que entre a população negra e no Sudeste do que em outras regiões. Isso tem a ver com a estrutura desigual da nossa sociedade. Como a distribuição dos recursos é desigual, ela afeta as oportunidades e a trajetória dos estudantes.
Roda: Você poderia dar um exemplo de quando a média acaba não mostrando as diferenças e colocando situações diferentes dentro de um mesmo balaio?
Jaqueline: Vou dar um exemplo para você entender: podemos ter uma escola bem avaliada, porém, se você olhar para a distribuição desses estudantes por níveis, verá que há percentuais significativos abaixo e acima da média. Por que essa grande diferença de performance entre os alunos? Quem são os estudantes que estão defasados e por que estão no nível 1, enquanto as outras crianças estão se saindo melhor?
Roda: E você consegue saber quem são esses alunos que estão com dificuldades?
Jaqueline: Sim, é possível fazer um estudo e tabelar as informações. Geralmente, eles são de famílias que têm menor renda, que os pais têm profissões simples e que acordam muito cedo para trabalhar, voltando tarde. Então, os adultos têm dificuldade de acompanhar o andamento dos estudos dos filhos. Eles próprios, muitas vezes, enfrentaram grandes obstáculos em suas trajetórias escolares. E, quase sempre, há questões de raça envolvidas: são crianças negras.
Roda: Lemos matérias falando sobre as bancas de faculdades, que recusaram alunos negros que passaram no vestibular através de cotas, alegando que os fenótipos deles não condiziam com o de pessoas pretas…
Jaqueline: Vamos pensar que a primeira experiência de cota, que aconteceu na UERJ [Universidade Estadual do Rio de Janeiro], tem somente 20 anos e que a lei federal e, consequentemente, as leis estaduais de ações afirmativas são mais recentes, a partir de 2012. Por causa de fraudes, surgiu a necessidade de criar as bancas. No entanto, cada universidade atua de um jeito e elas precisam ser aprimoradas, ter uma normativa específica. Mas o que eu posso dizer é que a vida das pessoas negras que se formaram através das cotas melhorou. No entanto, a mudança no mercado de trabalho ainda é gradual: homens brancos continuam no topo da hierarquia, ganhando mais. Tanto que surgiu a lei de igualdade salarial entre gêneros, recentemente. Também há uma percepção de que as pessoas negras que se formaram na faculdade ainda enfrentam dificuldade para alcançar cargos de liderança.
Roda: Você poderia falar mais sobre essa questão da hierarquia de rendas no mercado de trabalho?
Jaqueline: Posso, sim. Quanto mais branco, mais o indivíduo é privilegiado, maior o salário e melhor é o cargo dele. As pessoas pardas, por exemplo, enfrentam questões similares às dos pretos, ou seja, é como se houvesse um grupo branco e um grupo de “não brancos”.
Roda: O Ministério da Educação lançou um programa novo que se chama “Pé de Meia” e é voltado aos alunos do ensino médio de baixa renda. Ele oferece incentivos em dinheiro a esses estudantes para promover a permanência e a conclusão escolar. Qual a importância de iniciativas desse tipo?
Jaqueline: A evasão escolar é muito grande no Ensino Médio. As taxas de matrícula caem muito neste período. Muitos filhos das famílias de menor renda, geralmente, pretos e pardos, deixam a escola para trabalhar, ajudando no rendimento. Por isso, hoje estão surgindo ações voltadas à garantia do direito à educação deste segmento, considerando acesso, aprendizagem e conclusão dos estudos, como esta poupança do governo, para o aluno do Ensino Médio se manter estudando e usar para se preparar para a faculdade. É uma iniciativa importante. Nós precisamos pensar em educação a longo prazo, em resolver as questões na base para mudar o Brasil.