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Foto de Liliane Garcez sorrindo, uma mulher de pele branca, com cabelos grisalhos e óculos de grau com armação preta
21/09/2023

Educação inclusiva ou educação especial? Precisamos das duas, diz especialista

Foto de Liliane Garcez sorrindo, uma mulher de pele branca, com cabelos grisalhos e óculos de grau com armação preta

Por que falar pessoa com deficiência e não “deficiente”? Numa sociedade inclusiva, a adequação está no ambiente ou na pessoa? Quais conquistas já tivemos nessa luta? Qual o papel da escola em incluir essa população no convívio social? Essas são algumas das questões abordadas pela consultora em políticas públicas com foco na Educação Inclusiva Liliane Garcez nesta entrevista.

“A deficiência não diz respeito à pessoa como um todo, ela não estabelece o que a pessoa é, ela é apenas uma das suas características e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência em seu primeiro artigo aborda isso. Quando a gente conceitua que a deficiência é uma relação entre barreiras e impedimentos, percebemos que a nossa energia enquanto sociedade tem que ser colocada na quebra dessas barreiras e não na modificação, na adequação de alguém a um suposto ideal”, destaca ela, que também é mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), psicóloga pelo Instituto de Psicologia da mesma universidade, administradora pública pela Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas e escritora.

A luta da pessoa com deficiência

O Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência (21/09) foi instituído em 2005 com o objetivo de conscientizar sobre a importância do desenvolvimento de meios de inclusão das pessoas com deficiência na sociedade. Hoje, 18 anos depois desse marco, Liliane conta pra gente as conquistas que a data representa, em especial na legislação brasileira, e os muitos desafios que ainda temos pela frente.

Confira a entrevista com Liliane Garcez:

CE CEDAC: Qual a importância dessa data? Quais são as principais conquistas e desafios que ainda temos pela frente na luta da pessoa com deficiência?

Liliane Garcez: O Dia Internacional das Pessoas com Deficiência acontece no mundo todo desde 1992 e o Dia Nacional surge 13 anos depois. A data é um marco para a causa e é importante destacar que ela foi instituída pela atuação dos movimentos sociais, pela força popular. Os movimentos de pessoas com deficiência, aqui no Brasil e lá fora, estavam tão fortes que o tema foi colocado como pauta na ONU resultando na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. E eles continuaram nessa crescente, porque a sociedade, composta de pessoas com e sem deficiência passa a perceber que a convivência com todos, entre todos, é que fazem as mudanças de atitude acontecerem.

O Brasil foi um dos protagonistas de todo esse movimento, com nossa delegação na ONU com mais de 90% das pessoas com algum tipo de deficiência: a vivência do lema “nada sobre nós, sem nós”. Afinal, não dá para conversar sobre direitos das pessoas com deficiência sem a presença e participação efetiva de suas e seus protagonistas.

Nesse movimento, nosso país ratifica a Convenção, com status de emenda constitucional, nos anos de 2008 e 2009. O que é um enorme ganho, porque, depois disso, toda nossa legislação tem que acompanhar o que está posto nesse documento de direitos humanos. E, em 2015, instituímos a Lei Brasileira de Inclusão. Com ela, demos um passo definitivo para assegurar e promover o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, visando sua inclusão social e cidadania. Claro que tudo isso está em processo. Neste Dia de Luta, comemoramos avanços e seguimos apontando os desafios, por exemplo, o estabelecimento de uma avaliação biopsicossocial da deficiência unificada para o Brasil todo.

CE CEDAC: No decorrer do tempo, vários termos foram utilizados para designar essa população. Por que hoje entendemos que a forma mais adequada é “pessoa com deficiência”?

Liliane: Como falei, a deficiência não define a pessoa. O atual conceito de pessoa com deficiência, posto na Convenção e na LBI diz que são pessoas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que, ao interagirem com uma ou mais barreiras, podem ter sua participação plena efetiva ou autonomia junto das demais pessoas impedida. Então, o grande legado que a luta das pessoas com deficiência tem deixado para toda a sociedade é apontar a necessidade de mudança cultural, uma mudança que não admite preconceitos.

Ao passar a pessoa na frente da deficiência, deixamos de lado ideias capacitistas. Um exemplo é a suposta igualdade a partir de um diagnóstico clínico, como se fosse possível, de alguma forma, uma uniformização pela deficiência: no jeito de aprender, de se locomover, de interagir e por aí vai. Com essa mudança de perspectiva, reforçamos o óbvio: cada pessoa é única e nossas singularidades vão sendo construídas a partir de cada contexto de vida.

CE CEDAC: Pensando na área da Educação, temos mudanças com essas novas legislações? E a Educação Inclusiva e a Educação Especial?

Liliane: Em 2008, elaboramos a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Nela, estabelecemos que a educação é um direito composto pela educação comum, que é comum a todas as pessoas e está prevista na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e o atendimento educacional especializado. Com esse importante documento, deixamos de lado a necessidade de escolha, a falsa dicotomia entre educação comum e especial e passamos a investir em um sistema educacional cada vez mais inclusivo, de mais qualidade.

Eu gosto de pensar Educação Inclusiva como um princípio educacional que nos mobiliza a disponibilizar os apoios e serviços necessários para que todas as crianças, adolescentes, jovens e adultos, sem exceção, tenham acesso ao currículo e sua aprendizagem garantida. Não é ou comum ou especializado. É uma articulação entre ambos em prol da efetivação desse direito.

Ou seja, se antes, se achava que era melhor para uma criança com deficiência estar numa escola especial, hoje, sabemos que o caminho é possibilitar o acompanhamento específico, caso haja essa demanda, dentro da escola comum. Em outras palavras, que o melhor para ela é estar junto com as outras crianças, adolescentes e jovens da mesma faixa etária. E aqui tem uma ideia que também nos ajuda a sair do capacitismo: nem sempre quando você tem uma deficiência você precisa de um serviço da Educação Especial. E quando esse apoio é necessário, não significa que ele tem que ser permanente.

A Educação Especial é uma modalidade de ensino que, por fazer parte do nosso sistema educacional, tem como objetivo impedir o crescimento das desigualdades entre pessoas com e sem deficiência, eliminando as barreiras discriminatórias, considerando as condições concretas. Então, educação inclusiva se vincula a noção do direito à educação de qualidade e equitativa, aquela que não deixa ninguém para trás. A Educação Especial, enquanto modalidade de ensino, tem que trabalhar na perspectiva inclusiva, assim como a Educação Infantil, o Ensino Médio, o Fundamental, e a Educação Superior. Atualmente, não nos satisfazemos com as médias. O direito tem que estar garantido para todas e para cada uma das pessoas. Diante disso, a Educação Especial deve estar a serviço da quebra de barreiras, articulada à educação comum. Não adianta mais trabalhar separado, porque o/a menino/a tem direito de estar na sala de aula comum e no atendimento educacional especializado, quando isso for necessário. Afinal, a inclusão acontece no coletivo, dado que ela é um movimento social de mudança de atitudes, estratégias e estruturas.

CE CEDAC: O Brasil tem 18,6 milhões de pessoas com deficiência (segundo pesquisa divulgada pelo IBGE e Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania – MDHC), mas não observamos essas pessoas nos espaços públicos. Onde elas estão?

Liliane: Tem alguns espaços na sociedade que não nos sentimos convidados/as a estar. É como se tivesse uma barreira que as outras pessoas não conseguem perceber, mas que para quem nunca foi chamado a participar, é muito palpável. Eu costumo falar que para organizar ações para modificar essa situação da invisibilidade da pessoa com deficiência, não basta somente seguir as normas arquitetônicas de acessibilidade. É imprescindível fazer com que as informações cheguem, mobilizar estratégias para que todos os corpos sejam bem-vindos, todas as maneiras de interação sejam válidas. Para sair da corponormatividade, o chamado à participação tem que ser enfático!

São tantas situações de expulsão vivenciadas cotidianamente que eu preciso mais do que convidar, tem que mostrar e falar: este é seu lugar também, é um lugar para todas as pessoas, para toda a sociedade. Onde estão essas pessoas? Elas estão espalhadas pelo nosso país, mas só conseguimos perceber isso quando a gente, de fato, faz chamamentos, mobiliza a participação e demonstra que não mais aceitamos uma sociedade que exclui.

A educação tem um papel fundamental. Queremos formar cidadãs e cidadãos para um mundo que precisa de mudanças urgentes, principalmente nas relações. Uma educação integral e inclusiva contribui para que valorizemos todas as dimensões humanas e para que não desvalorizemos nenhuma característica humana. Afinal, como nos desafia o último relatório da Unesco – reimaginar nossos futuros juntos, por um novo pacto social da educação – é urgente organizarmos uma educação onde todas as pessoas são muito bem-vindas e que ninguém precise justificar sua presença! Um viva ao movimento das pessoas com deficiência que nos ensina cotidianamente a construir esse caminho!

Para conhecer:

Livro “Educação Inclusiva de Bolso: o desafio de não deixar ninguém para trás”. Liliane Garcez e Gabriela Ikeda. Editora do Brasil (2021)

Coleção Caravana de Educação em Direitos Humanos – caderno Pessoas com Deficiência (2015)

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Protocolo Facultativo) – Site do MEC

Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) – Site do Planalto

Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva – MEC

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD): Pessoas com Deficiência 2022 – IBGE

Vídeo História do Movimento Politico das Pessoas com Deficiência no Brasil

Dossiê Educação Inclusiva, Revista Educatrix 23

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